quinta-feira, 7 de agosto de 2008

"Essa doeu no nosso fígado"

Sirvo vocês com uma das maiores jornalistas do Brasil,na minha opinião,Ruth de Aquino.A quem sigo e persigo suas matérias e sua forma de escrever,um exemplo que quero seguir e quem sabe esbarrar num cargo de editora da Revsita Época como ela..eim..eimm..
Matéria fantááárrrdica sobre o mais novo escândalo da parada a venda de fígados batizada como Operação Fura -Fila,mais uma vergonha para o Brasil!!!Eis que segue a coluna...
Para os gregos antigos, o fígado era associado à alma. Talvez por ser o único órgão a se regenerar ou por filtrar as impurezas do corpo humano. O fígado era relacionado a chole, que significa bile, em grego, e está na raiz da palavra melancolia. Na semana passada, mesmo os brasileiros sem parentes na “lista da morte” – apelido fúnebre da fila de espera por transplantes de fígado – sentiram uma fisgada na alma. Cirurgiões foram indiciados por desviar órgãos para pacientes particulares. A polícia suspeita que se cobravam até R$ 250 mil por fígado.
O escândalo foi maior por envolver médicos de um ex-hospital-modelo no Rio de Janeiro – o Hospital Universitário da Universidade Federal (UFRJ), na Ilha do Fundão. Acusado de ser o cabeça do esquema de fura-fila, Joaquim Ribeiro Filho, professor da UFRJ e ex-chefe da Rio Transplantes, de 2003 a 2007, foi preso pela Polícia Federal. Sua advogada afirma que Joaquim é inocente. Ele e quatro médicos de sua equipe foram indiciados.
As tristes histórias seguem o mesmo roteiro, segundo a Polícia Federal. Um fígado bom é classificado pelos médicos como “marginal”. No clichê médico, o fígado marginal seria um fígado em más condições, provisório. O atestado, falso, serve para desviar o órgão para um paciente disposto a pagar propina para sobreviver.
A venda de fígados a quem tem mais dinheiro ou prestígio é um comércio duplamente indigno. Alimenta-se do desespero humano e condena à morte outros pacientes à frente na fila, preteridos por uma carteirada. Quando isso acontece, o marginal não é o fígado, mas o médico que coloca o bolso acima de seu juramento e de sua reputação.
No Rio, 1.077 pacientes esperam hoje na fila por um novo fígado. Neste ano, só 40 foram premiados com o transplante. Alguns dramas parecem ficção, como o do corretor de imóveis Frederico Sattelmayer Júnior, de 46 anos, que no ano passado chegou a ser internado na Clínica São Vicente, na Gávea, Rio de Janeiro, para receber um fígado “marginal”. Sattelmayer foi anestesiado e estava pronto para ser operado quando a cirurgia foi cancelada por “irregularidades”. Ele contou que tinha combinado pagar R$ 80 mil ao médico Joaquim Ribeiro Filho.
Não são só os pacientes: o Hospital Universitário do Fundão também pede socorro para sair da lista da morte
Dói também ver o estado calamitoso do Hospital Universitário do Fundão, batizado com o nome de um dos mais respeitados e experientes médicos brasileiros, o professor Clementino Fraga Filho, hoje com mais de 90 anos de idade. Em maio, a direção anunciou que ia parar de internar pacientes. O hospital está submerso por oito, dez anos de dívidas. Deve cerca de R$ 20 milhões a laboratórios, firmas de contrato de manutenção e empresas que pagam funcionários. O hospital da UFRJ funciona como prestador de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Um terço de sua verba se destina a pagar funcionários. Não se sustenta.
Os leitos foram reduzidos à metade, de 500 para 250. O Hospital Universitário não tem mais condições de fazer nenhuma cirurgia. Nem operações simples, como hérnia. Falta material básico. O almoxarifado está vazio. Fornecedores não fornecem mais nada. No setor de cardiologia, não há angioplastia – destinada a desobstruir coronárias em pacientes com infarto. Os equipamentos enguiçados inviabilizam exames de imagem como cintilografia miocárdica. Só há um aparelho de vídeo para o hospital inteiro. E, na sala de teste de esforço, o teto desabou. Para consertar, custaria R$ 2 mil. Mas, até sair a licitação, seriam meses. Dinheiro de pesquisa da universidade está pagando o teto da sala. Residentes já foram a ministérios expor o impasse. Em vão. Como manter o nível de um hospital-escola considerado referência? Como atender a população? Como treinar futuros médicos?
“Dá uma angústia...”, me disse um residente, que ainda tem esperança. “Ou será que o governo quer acabar com os hospitais universitários?” Isso tudo dói no nosso fígado. O Hospital do Fundão completou 30 anos. E está na fila da morte prematura. Alguém precisa fazer alguma coisa. Nem que seja um transplante de verba. Ou uma injeção de auto-estima nos jovens médicos residentes, confiantes e resistentes.